26.3.09

Objectivamente na Subjectividade

Editorial do Jornal Escolar ATITUDES, nº56, ano 13, da Escola Secundária com Terceiro Ciclo, de Matias AiresTrabalhamos e vivemos, numa escola, com pessoas e para pessoas. Não somos uma empresa com fins lucrativos, não somos uma fábrica de tijolos, não pretendemos "formatar" jovens, ou fabricar números para fins estatísticos, talvez por esta razão todos os factos objectivos que aqui se (re)tratam sejam tão subjectivos. São experiências vividas, impossíveis de medir, de quantificar, de objectivar.
Tem sido um período lectivo farto de emoções, surpresas, desi-lusões, expectativas. Tempo de partilha, ora angustiante, ora revigorada pelos laços que se criam, num espaço como uma escola viva.
Não há ordem nos factos, mas talvez nos sentimentos. Com desalento, quantas vezes nos questionamos, perante a pequenez da nossa existência, quando nos vemos confrontados com situações dramáticas, que nos tocam o âmago - a alma.
Como reagir quando tomamos conhecimento que alguém que tem um sorriso doce, é inteligente e um comportamento irreprovável, até mesmo meritório, tentou por fim à sua própria vida??? Uma pessoa sensível, carinhosa, estimada... Ficamos devastados... E surgem as mais variadas evidências de solidariedade, provas de amizade, de amor, carinho, que não podem mostrar-se cientificamente, apenas se sentem, no silêncio respeitoso da intimidade, ou nas palavras confidenciais.
Como ficamos quando sabemos que um aluno perde a sua mãe, com pouco mais de 40 anos?? O que dizer a esse jovem, no abraço forte, sentido e meigo, depois desta tragédia incontornável??? Estar presente, é o mínimo. Partilhar algumas palavras de conforto, disponibilizar ajuda... mas quem pode ajudar??? Tudo soa a frase feita e de circunstância, ainda que as lágrimas teimem em soltar-se, mais uma vez nos assalta o questionamento sobre a nossa existência, sente-se o vazio, recordam-se outras perdas, a impotência... reina o silêncio conselheiro.
Como gerir os afectos, quando sabemos que a felicidade de alguém passa pelo afastamento, pela ausência anunciada??? Uma transferência, não é abandono escolar, não, uma necessária transferência de uma aluna doce, carinhosa, que nos abraça e beija com toda a pureza da adolescência por viver... criaram-se laços... como vamos dizer adeus???
Um dia destes veio à nossa escola, propositadamente, um ex-aluno, agora jovem trabalhador no activo, porque tinha saudades de alguns dos seus professores, da escola, dos conselhos, até dos conteúdos de algumas disciplinas (confidenciou-me), imagine-se!... e esta é uma situação recorrente, acreditem... são tantos os alunos que ficam com saudades e voltam para nos dar um abraço de estima e consideração...
E outros que nos reconhecem em locais onde nem imaginaríamos e dizem: "Foi minha professora lembra-se? Agora é que eu vejo como me portava naquele tempo... agora é que eu precisava ouvir o que me ensinava..."
Nada disto é mensurável, se pode provar, ou objectivar numa simples grelha, apenas se sente e vive.
Eu vou ter um objectivo mais explícito, no futuro (porque implícito já o é há muito): que nenhum aluno se esqueça de mim, que me recorde, porque o chamei à atenção, porque o incentivei, porque o corrigi, porque o aconselhei, porque o marquei... porque lhe disse o que não queria ouvir, mas precisava ser dito, porque o elogiei, porque o fiz trabalhar, porque não o ignorei... Não poderei mostrar evidências, mas não é disto que se trata, nestas relações bilaterais, de anos e anos de convívio, ora pacífico, ora orientador... trata-se de emoções, de preocupações, de sentidos, de caminhos cruzados...
Objectivamente não me recordo dos nomes, das classificações, mas recordo-me dos rostos, das atitudes, dos conflitos, dos consensos... subjectivamente sinto cada aluno como pessoa, à espera de encontrar o sentido dos seus passos, às vezes perdidos, outras orientados... mas nada disto se mede, é genuinamente subjectivo e jamais será objectivável.


Paula Cristina Lucas da Silva, co-coordenadora do ATITUDES, professora em avaliação, num modelo cheio de grelhas e em busca de evidências...